Sérgio Sampaio - Eu quero é botar meu bloco na rua - 1973.
A trajetória errática do capixaba Sérgio Sampaio sempre desafiou explicações. Depois de sacudir o país em 1972 com a marcha-rancho “Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua” – um sucesso estrondoso, que realmente marcou época –, o compositor viu pouco a pouco sua carreira estagnar. Difícil de entender porque um artista de evidente talento – melodista sensível, poeta inspirado, expressivo cantor, violonista competente – acabou por não alcançar, em seu tempo, a popularidade e o prestígio devidos. Há quem diga que o sucesso foi da música, não do cantor e compositor – uma análise um tanto simplista, mas não desprovida de um certo fundo de verdade. Nascido em 1947, em Cachoeiro de Itapemirim, sul do Espírito Santo, filho de Raul Gonçalves Sampaio, maestro de banda e compositor, e de Maria de Lourdes Moraes, professora primária, Sérgio Sampaio recebeu do pai as primeiras influências musicais, tendo curtido na adolescência grande paixão pelo repertório seresteiro de Orlando Silva, Sílvio Caldas e Nelson Gonçalves. Em 1967, enamorado da ebulição cultural do Rio de Janeiro, foi para lá em busca de um lugar no céu estrelado da MPB. Atuou por dois anos como locutor de rádio nas AMs cariocas, enquanto desenvolvia também o seu trabalho musical. Em fins de 1970, foi descoberto acidentalmente pelo produtor Raul Seixas, quando acompanhava ao violão um aspirante a cantor, num teste na gravadora CBS. Contratado pela CBS, Sérgio fez sua estréia, em meados de 1971, com o compacto “Coco Verde/Ana Juan”, produzido por Raul. Meses depois, Raul, Sérgio e mais Míriam Batucada e Edy Starr gravaram o polêmico disco “Sociedade da Grã-Ordem Kavernista apresenta Sessão das Dez”, que causou grande celeuma na CBS. Uma verdadeira sessão de escracho, com paródias e pastiches musicais temperadas com um humor corrosivo, esse trabalho trazia algumas parcerias de Sérgio e Raul, como o xote elétrico “Quero ir” e o acid rock “Doutor Pacheco”. No mesmo ano, o artista defendeu no V FIC sua composição “Ano 83”, que permanece inédita em disco. Em 1972, já integrando o elenco da Phillips/Phonogram, Sérgio apresentou no sétimo e último FIC a marcha-rancho “Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua”. Mesmo não tendo sido a vencedora, a música foi o maior sucesso do evento. O compacto lançado a seguir venderia cerca de 500 mil unidades. Em meio ao êxito avassalador da música, Sampaio, jovem e sem dispor ainda de uma estrutura profissional sólida, adotou uma postura arredia frente ao intenso assédio da mídia, o que acabaria lhe custando a fama de artista “temperamental” e “difícil”. Em março de 1973 foi lançado seu primeiro LP, que levou o título de seu maior sucesso. Embora trazendo sambas de apelo popular (“Cala a Boca, Zebedeu”, de autoria de seu pai, e “Odete”) e incursões personalíssimas pela música pop (“Leros e Leros e Boleros”, “Eu Sou Aquele Que Disse”), o disco teve uma vendagem modesta, além de ser recebido pela crítica com desapontamento notável. Mais à frente, sua composição “Quatro Paredes” foi gravada parcialmente por Maria Bethânia, encaixada num pot-pourri no disco “A Cena Muda”. No início de 1974 saiu o compacto “Meu Pobre Blues / Foi Ela”. A primeira, uma dúbia elegia ao conterrâneo Roberto Carlos, de letra desconcertante, alcançou boa repercussão. Foi sua despedida da Phillips. Ele só retornaria à cena musical em 1975, já na gravadora Continental, lançando o compacto “Velho Bandido / O Teto da Minha Casa”, com boa aceitação popular e críticas muito favoráveis. Ainda em 1975, a irônica marchinha “Cantor de Rádio”, onde o artista alfinetava a indústria musical, foi incluída no LP “Convocação Geral nº 2”, da Som Livre. Em 1976, Sérgio lançou seu segundo LP, “Tem Que Acontecer”, considerado por muitos seu melhor trabalho. Com produção de Roberto Moura e arranjos do violonista João de Aquino, no disco brilhavam instrumentistas como Altamiro Carrilho (flauta), Abel Ferreira (clarinete) e Joel Nascimento (bandolim). Sérgio aliava o vigor interpretativo e poético dos primeiros anos a uma maior maturidade como compositor, em obras bem acabadas, como o amargo samba “Até Outro Dia”, o samba-canção “Velho Bode” (em parceria com Sérgio Natureza), o fox “Que Loucura” (uma letra em homenagem ao poeta tropicalista Torquato Neto) e a faixa-título. O disco foi bem recebido junto à crítica mas não alcançou o sucesso esperado. Em meados de 1977, ainda na Continental, Sérgio Sampaio lançou mais um compacto, “Ninguém Vive Por Mim / História de Boêmio (Um Abraço em Nelson Gonçalves)”. A primeira, um pop altamente suingado, foi bem executada nas rádios, apesar da letra cáustica, novamente enfocando a difícil relação do compositor com a indústria do disco. Foi o derradeiro trabalho de Sampaio por uma gravadora oficial. Dali em diante, já arrolado entre os “malditos” da MPB, ele seria um artista independente, sem gravadora e sem música no rádio, vivendo apenas de shows eventuais para um séquito fiel de admiradores em todo o país. Em 1981, Erasmo Carlos gravou em seu LP “Mulher” a canção “Feminino Coração de Deus”, composta por Sérgio especialmente para ele. No ano seguinte, Sampaio lançou o disco independente “Sinceramente”. Como o título sugeria, um trabalho de grande desnudamento pessoal do compositor. No entanto, mais uma vez a repercussão foi pequena, a despeito da qualidade de canções como “Nem Assim”, “Tolo Fui Eu” e “Essa Tal de Mentira”. O disco trazia também o samba “Doce Melodia”, onde o homenageado Luiz Melodia terçava vozes com Sérgio. Durante os anos 80, o artista viveu praticamente no limbo profissional, com escassos shows em bares a minguados cachês. Em seus longos retiros em sua cidade natal, porém, ele compunha sempre e cada vez melhor. Suas melodias se tornaram mais elaboradas, ao mesmo tempo conservando seu despojamento tão característico. Passou a criar harmonias com maior esmero e sua poesia atingiu o perfeito balanço entre lirismo, humor, perspicácia e concisão. Nos longos anos em que esteve relegado ao acostamento da cena musical, Sérgio apresentou-se quase sempre sozinho com seu violão, maturando sua performance ao máximo. De um balaio de cerca de 50 canções que ele mostrava nessas apresentações, ele escolheria o repertório do cd “Cruel”, que seria produzido pela gravadora paulista Baratos Afins em 1994, e que marcaria a volta de Sérgio ao disco, projeto abortado pela morte do artista, em maio daquele ano, ocasionada por uma crise de pancreatite.
Mesmo hoje, tantos anos após sua morte, Sérgio Sampaio continua a ser um dos artistas mais verdadeiros, inquietantes e enigmáticos da história da MPB.
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